Minha História - Capítulo 2: O cocô de galinha, o blog e a publicidade
No post anterior comentei sobre como as coisas haviam se complicado financeiramente em minha família após a demissão do meu pai. Esse na verdade foi o principal motivo pela qual tive que sair da escola particular e ir para a pública. Até então eu achava que as coisas não poderiam piorar, mas eu estava enganado. Meu pai, vendedor, conseguiu um emprego como representante comercial de uma empresa de materiais para construção e ganhava por comissão. As vendas não estavam indo bem e a mensalidade do condomínio onde vivíamos estava começando a pesar muito no orçamento. Meu pai tinha uma casinha bem simples em uma cidadezinha chamada São Lourenço da Serra, que fica a 30 minutos da cidade de São Paulo. Com aproximadamente 15 mil habitantes, aquela cidade do interior era o lar da minha avó e meus tios e tias e acabou se tornando o nosso também em 2004, quando nos mudarmos para lá. A casinha tinha apenas um quarto e ficava literalmente no meio do mato.
Se deu início então outro momento desafiador na minha vida. Tive que mudar de escola novamente e me encaixar em uma realidade ainda mais diferente. Dessa vez eu era visto como o ‘garoto da cidade’. A casa, a escola, a distância dos amigos me deixaram abalados, mas pelo menos eu tinha meu videogame, certo? Errado! Eu, no auge dos meus 14 anos, fui ‘convocado’ para trabalhar na loja dos meus tios: a Casa Agrícola Delfino.
Basicamente eu era um faz tudo na loja. Atendia clientes, pesava comida para passarinhos, carregava sacos de ração para cachorro de 15KG - 30KG nas costas (os de milho e farelo de trigo pesavam 40KG - 50KG, muito pesados e poderiam me causar problemas sérios de saúde se eu os carregasse, meus tios me proibiram de fazer isso). Além disso, cuidava das mudas, recebia e conferia os produtos que chegavam dos fornecedores, ajudava a carregar o caminhão e fazer entregas, lançava as notas fiscais no sistema de gestão da loja, atendia telefonemas e por aí vai. Ah, esqueci de mencionar que eu também buscava café e bolo/pão na casa da minha vó e levava para meus tios na loja.



Mas de todas essas tarefas, as duas que mais me marcaram foram a de limpar o cocô das galinhas e dar injeções nos pintinhos doentes. As galinhas e galos ficavam em gaiolas e diariamente tínhamos que limpar a bandeja com uma pá de vassoura e jogar em um saco, seguido de espalhar palha nova nas bandejas. Quando os pintinhos, galinhas ou galos ficavam gripados no galinheiro (sim eles ficam gripados e até tem coriza), eu descia junto com o Jairo, um dos funcionários da loja, e pegávamos um por um, afastávamos as penas localizadas na região do peito e aplicávamos a injeção. Algumas das galinhas eram mais difíceis de pegar. Dava um pouco de medo, mas era divertido. Outro momento marcante foi quando eu saía com o Cabelo Branco (seu apelido) para fazer entregas de caminhão. Ele era uma figura, super engraçado e bem caipirão. Certa vez, em uma das entregas, ele me deixou dirigir o caminhão enquanto dormia no banco do passageiro. Ele só pediu uma coisa: “não conta para seus tios”. Durante uns 10 minutos eu dirigi nas estradas de terra de alguns bairros isolados de São Lourenço da Serra.
Apesar de ganhar muita experiência eu também ganhava um pequeno salário. No começo eram 100 reais por mês, que depois de 1 ano se tornou 170 reais por mês. Com esse pequeno salário consegui ajudar meus pais em casa e comprar a minha tão sonhada primeira guitarra, além de investir em umas roupas e tênis novos. Considero essa experiência de trabalhar na Casa Agrícola Delfino como o início da minha carreira profissional. Essa experiência foi a faísca do desenvolvimento de vários atributos como responsabilidade, resiliência, organização, relacionamento com cliente e colegas de trabalho e muitos outros atributos.
Por volta de 2016, meu irmão, que estava morando no Rio Grande do Sul, voltou para São Paulo e passou a morar conosco. Como mencionei no post anterior, ele tinha conhecimento como programador e trabalhou por algum tempo no Unibanco, porém ao se aprofundar mais sobre o universo da publicidade e propaganda ele conseguiu um emprego em uma agência de publicidade. Como a distância era um empecilho, ele se mudou para nosso apartamento em São Paulo, enquanto eu continuei em São Lourenço da Serra. Meu irmão adorava (e ainda adora) ler. Ele havia deixado alguns livros sobre publicidade em casa e certo dia resolvi pegar um para ler. O livro se chamava ‘Propaganda é isso aí!’, do autor Zeca Martins. O livro era de capa laranja com detalhes em azul e parecia super cool! O autor era um redator publicitário e a forma como o livro foi escrito conseguiu cativar um rapaz de 14 anos. Os exemplos eram super interessantes e eu, que nunca fui de ler muito, devorei o livro. Li sem parar e simplesmente adorei. Com isso, fui lendo mais coisas sobre publicidade (inclusive mais um livro do mesmo autor chamado Redação Publicitária) e me interessando cada vez mais sobre o assunto. Navegava horas na internet vendo campanhas, salvando links e buscando cada vez mais aprendizado. Como forma de agradecimento, resolvi mandar um email para o Zeca Martins, sem muitas expectativas de receber uma resposta. Para a minha surpresa ele não só respondeu meu email como postou o texto de resposta em seu blog. Fiquei extremamente feliz e foi nesse momento onde eu conheci o universo dos blogs. E aquilo mudaria minha vida para sempre.
A partir desse momento, comecei a pesquisar e encontrar vários blogs de publicidade no Brasil e no mundo. Foi aí que pensei: por que você não faz um blog também?
O mais legal é que pude colocar em prática toda a minha experiência prévia com design e programação. Criei um blog no Blogspot, fiz um logo, editei o layout do site usando HTML e assim nasceu o By The Way, o meu blog de publicidade. A proposta era simples: eu buscava campanhas que achava super legais e postava no meu blog junto com uma breve explicação e análise. Mais pra frente me arrisquei a escrever textos um pouco maiores com pensamentos sobre o universo da propaganda. Quando o blog já tinha um número aceitável de conteúdo, descobri que uma prática comum entre os blogueiros era trocar links. Se o seu blog é bom, eu posto um link no meu e você posta no seu. Lembro que inclusive tentei entrar em contato com o maior blog de publicidade do Brasil, mas não obtive resposta. Pelo menos eu tentei. Talvez meu blog não era bom. :)
Naquela época se iniciava a era de ouro da blogosfera. E foi um momento mágico para mim. Comecei a fazer amizade com outros blogueiros e tive a oportunidade de encontrar alguns pessoalmente e até fazer projetos com eles. Mas teve um blogueiro em particular que foi o ponto chave de tudo, e seu nome era Jonathan Benarrós, do blog AdMe. Jonathan trabalhava na agência Riot, a agência especializada em marketing para mídias sociais. Jonathan viu o trabalho que eu fazia no By the way e me perguntou se eu não tinha interesse em trabalhar na Riot. Para isso eu precisaria fazer uma espécie de desafio, onde eu teria que escolher uma marca e montar um case de como ela poderia se comunicar de forma criativa e eficaz nas redes sociais. Aceitei o desafio e comecei a preparar o case. Tive uma ajuda do meu irmão como consultor, mas literalmente coloquei a prova todo o meu conhecimento adquirido (mesmo que não fosse muito) para criar algo consistente e que chamasse a atenção da agência. E consegui!
Fui chamado para uma entrevista em um prédio na Alameda Santos, Avenida Paulista. Eu com 17 anos, arrumadinho, fui com meu pai que me deixou na recepção do prédio e me esperou pacientemente até a entrevista acabar. Fiz a entrevista com a diretora executiva, Daniela Oliveira, que me fez perguntas sobre minha experiência com blogs e publicidade. Aquela era minha primeira entrevista formal de emprego e não me lembro exatamente de como foi a entrevista, mas lembro que eu estava tranquilo e confiante sobre o conhecimento que eu tinha e como poderia colaborar com a agência. Deu certo! Recebi a proposta de emprego por email e não pude conter minha alegria. Próximo passo: fazer as malas e ir morar com meu irmão em São Paulo.
Já dizia a frase de que ‘a única coisa constante na nossa vida é a mudança’. Ao conseguir o emprego em São Paulo tive que passar novamente por todo o processo de mudança de vida e adaptação. Tive que mudar de escola novamente e dessa vez fui para uma escola pública bem, bem complicada. Eu teria que estudar a noite e os alunos da noite eram, como eu posso dizer, bem barra pesada. Por sorte, faltava apenas 6 meses para eu me formar, era mais uma questão de aguentar até terminar.
Como eu tinha 17 anos na época e não estava na faculdade, eu não poderia ser contratado como estagiário como grande parte dos profissionais de conteúdo da agência. A agência não era muito grande (cabiam todos em um andar pequeno) e acabaram me contratando com carteira assinada como analista de conteúdo. Fiquei feliz e super grato por eles terem feito isso por mim. Até hoje lembro que meus colegas de trabalho me falavam no final do expediente quando eu estava saindo para ir para a escola: “E aí, hoje você tem aula de quê? Matemática? Educação física? Química?”. Se for parar para pensar, era bem isso mesmo.
Consegui lidar bem com as responsabilidade do trabalho na agência. Basicamente o trabalho era divulgar marcas e campanhas nas redes sociais (Orkut, fóruns de discussão, blogs etc). Também fazíamos relatórios quantitativos e qualitativos semanais para enviar para o cliente. Em alguns momentos também participávamos da criação de campanhas que precisavam ser desenvolvidas para o ambiente social e digital.
Avenida Paulista, ônibus lotado todo dia, uma das piores escolas públicas da região, primeiro emprego em uma agência de verdade, 17 anos de idade. Foi muita coisa para absorver e me lembro que pensei em desistir várias vezes. Conversas com a minha família me ajudaram a perseverar e continuar lutando. Ainda bem que eu continuei. E estava pronto para mais desafios que viriam pela frente.
Você deve estar se perguntando o que aconteceu com meu blog. Eventualmente ele foi crescendo e após alguns meses passou por uma reformulação total de nome, design e até domínio .com.br tinha. Ele evoluiu para o ‘Falando nisso’, e mais e mais pessoas estavam acessando a cada dia. Eu estava ficando famosinho na blogosfera (o que não era um big deal, mas era legal para mim na época). Fiz amizades com blogueiros famosos que trabalhavam na agência e eles me ajudaram com várias dicas e visibilidade. Tudo estava indo muito bem, mas eu estava apenas começando e ainda tinha muita coisa para acontecer pela frente.
Seguindo o modelo do post anterior, aqui vai uma lista do que aprendi dessa fase da minha vida:
Seja curioso, sempre! Esse é um atributo que precisamos levar para vida inteira. Às vezes, é da curiosidade que nasce uma paixão ou uma oportunidade. A minha curiosidade de ler os livros do meu irmão me fez mudar totalmente o curso da minha vida.
Enxergue oportunidade em cada desafio. Meu primeiro trabalho na loja dos meus tios não foi certamente o trabalho dos sonhos. Porém, busquei dar o meu melhor e aprender ao máximo da experiência. Por mais que seu trabalho atual não seja o ideal, aproveite essa oportunidade para fazer duas coisas: 1. desenvolver atributos que só nele você poderia aprender e 2. fazer um esforço extra e trabalhar em paralelo em um projeto ou ação que te levará em direção ao que você realmente quer.
Nunca se sinta intimidado em entrar em contato com pessoas que você admira ou tem interessante em conhecer. Mesmo que elas eventualmente acabem não respondendo ou respondendo de forma superficial você pode se surpreender com as respostas que conseguir e com as oportunidades que elas podem gerar.
Muitas pessoas me perguntam como aprendi inglês. Eu sempre respondo: jogando videogame e navegando na internet. Navegar em blogs/sites internacionais e ler sobre campanhas de outros países me ajudou muito naquela época a desenvolver o inglês.
Pode ser clichê, mas não quer dizer que não é importante: Não desista! As dificuldades nos fazem desenvolver atributos que não conseguimos enxergar no momento. Confie e conte com a ajuda de pessoas ao seu redor que te amam e apoiam para encontrar conforto e força em momentos difíceis.
Agradecimento especial a algumas pessoas que tiveram um papel importantíssimo nessa fase da minha vida: Meus tios, Cabelo Branco, Jairo, Zeca Martins, Jonathan Benarrós, Daniela Oliveira, Luiz Stamboni, Caio Brogui, Ian Black e Natália Luciano.
Neste último capítulo da série sobre minha trajetória profissional, saiba como fui parar no Google, como foi mudança para a Califórnia e os desafios de lidar com o Inglês.