Minha História - Capítulo 4: Chamado a servir e a volta para o mundo real

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Existem algumas coisas que regem a nossa vida. Valores, crença, propósitos e acontecimentos que definem quem somos e onde queremos chegar. Um dos valores que sempre esteve presente em minha vida é o valor espiritual. Quando nasci, minha família já era membro d'A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Cresci indo para a igreja todos os domingos, lendo o Livro de Mórmon e com o passar do tempo fui adquirindo um testemunho pessoal das coisas que eram ensinadas, de Deus e Jesus Cristo. Aprendi desde pequeno na igreja coisas como o serviço ao próximo, como buscar conforto, inspiração e força em Deus nos momentos difíceis, além de como manter certos padrões morais em minha vida poderiam me abençoar fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Sem dúvida esses ensinamentos estiveram presentes em cada uma das histórias de cada post que escrevo.

Você já deve ter visto ou ouvido falar sobre os missionários mórmons, ou os Élderes. São aqueles jovens que são vistos nas ruas andando em duplas, de camisa branca, gravata e uma plaquinha preta no peito. Todo rapaz na igreja quando completa 18 anos (na minha época era 19) é chamado para servir uma missão de tempo integral. Essa missão tem duração de 2 anos e é nos requerido deixar tudo para trás e focar 100% do tempo, esforço e talentos em prol desse serviço. Ele consiste em ensinar as pessoas sobre o evangelho de Jesus Cristo, ajudar os mais necessitados, dar suporte aos membros da igreja e também de buscar o constante desenvolvimento pessoal e espiritual. É um serviço abnegado, e por isso, deixamos para trás emprego, faculdade, namorada(o), amigos, família, hobbies, tudo. É um tempo voltado completamente em prol do próximo. O jovem que desejam servir uma missão de tempo integral envia papéis para a sede da igreja nos EUA mostrando que está apto fisicamente e mentalmente. Os papéis são recebidos e avaliados por um comitê chefiado por líderes da igreja e cada jovem é designado para um lugar do mundo onde a igreja está presente. Já tive amigos que foram para a África do Sul, Holanda, Argentina e por aí vai. Vale ressaltar que tanto homens quanto mulheres podem servir, o serviço não é obrigatório e é realizado apenas uma vez.

Já fazia alguns meses que eu havia feito 19 anos. Desde pequeno sempre tive o desejo de servir uma missão de tempo integral pela igreja. As coisas estavam indo cada vez melhor na Africa e minha ideia era trabalhar lá por mais alguns meses antes de enviar meus papéis para a missão. Até que certo dia, domingo, um dos líderes da igreja que admiro muito me fez o desafio de não esperar mais e apenas cumprir meu chamado. Deixar tudo para trás e ir para esse serviço de 2 anos é uma decisão que esbarra em barreiras diferentes para cada indivíduo. Para alguns é porque os pais não apoiam, para outros é porque estão no meio da faculdade e por aí vai. Para mim, o maior desafio foi largar uma carreira profissional de sucesso que começou super cedo e estava em ascensão. Respirei fundo e aceitei. Fiz todos os exames necessários, preenchi a papelada e enviei. Fui chamado para servir na missão Brasil Brasília.

Pedi demissão da agência depois de quase 1 ano trabalhando lá (e recebi o apoio de todos do time, o que me deixou muito feliz). Depois de mais ou menos 1 mês fazendo os preparativos, arrumei as malas e parti.

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A minha missão foi uma das experiências mais intensas e extremas que já tive na minha vida. Fui amplamente testado fisicamente, emocionalmente, mentalmente e espiritualmente. Havia dias que andávamos mais de 15km por dia, que pegávamos chuva ou até ficávamos muito doentes. Dias onde enfrentávamos pessoas nos ridicularizando, nos rejeitando e até aquelas que tinham o desejo de mudar e serem pessoas melhores mas não davam o passo necessário para a mudança. Trabalho árduo e frustrações quase que diariamente.

Durante os dois anos de serviço, os missionários transitam entre cidades dentro da área designada da missão. Nossa área abrangia o DF, algumas cidades do Goiás e Tocantins. Passei por cidades desde as mais ricas até as mais pobres, além de uma curta estadia no Tocantins (um sol de rachar).

Nunca me esqueço de algumas experiências extremas que me marcaram. Na minha missão, já senti um tiro perdido pegar em um portão de ferro a 2 metros de mim e já até fui assaltado e 'desassaltado' (sim, o ladrão se arrependeu de nos roubar e devolveu nossas coisas). Os membros da igreja da região que nos davam almoço através de um calendário coordenado entre eles. Lembro que o almoço mais simples que já tive na vida, feito com muito amor e carinho por uma senhora idosa super querida de Taguatinga, foi arroz e feijão apenas, com um suco Tang cheio daquelas formiguinhas dentro. Lembro que meu companheiro me perguntou: “E agora? A gente toma?”. Eu falei: “Só toma e confia!”. Nunca me esqueço da fé daquela senhora que mesmo não tendo tudo, nos dava tudo o que tinha. E sou eternamente grato por esse almoço maravilhoso.

Ensinei sobre os princípios da igreja dentro das casas mais chiques do Plano Piloto até as casas mais simples das cidades satélites de Brasília. Uma das casas mais humildes que entrei era uma feita com telhas empilhadas e pregadas entre si, onde o chão era de terra dura e irregular. Iluminação e saneamento básico precário. Era de cortar o coração, mas estávamos felizes por estar ali e ajudar nem que seja um pouco aquelas pessoas.

Falando em felicidade, apesar das dificuldades, certamente houve muitos momentos felizes e de realizações. Pude ver a vida de várias pessoas mudarem. Eu e meus companheiros de missão brincávamos com as crianças na rua, choramos com pessoas queridas, rimos com muitas delas e criamos uma conexão de amor e carinho por todas. Tenho amizades até hoje com elas e só vejo bênçãos e coisas boas desse serviço que fiz durante os dois anos.

Impossível contar tudo que aconteceu em apenas um post, mas já dá para ter uma noção do quanto esse trabalho foi significativo em minha vida. Eu costumo a falar que esses 2 anos foram a minha faculdade sobre a vida. E não me arrependo nem um segundo de tê-lo feito.

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2 anos se passaram e voltei para casa. As coisas mudaram um pouco no mundo real. Na verdade, tinham mudado bastante. O universo digital estava em constante expansão. Redes sociais como Facebook estavam começando a bombar, smartphones estavam começando a se popularizar e as conexões estavam cada vez mais rápidas. O mundo digital tinha chegado para ficar. Depois de 2 anos fora do mercado eu estava deslocado. Não sabia por onde começar e dediquei um tempo para me inteirar sobre as principais coisas que tinham acontecido na publicidade e no mundo. Depois desse período de adaptação comecei a entrar em contato com meus amigos publicitários para buscar oportunidades de emprego e me recolocar no mercado. Quão grato fiquei quando recebi respostas positivas de todos eles, e tive a oportunidade de fazer algumas entrevistas em diversas agências através de indicações.

Falei no início do post sobre valores e propósito que nos regem. Quando voltei, recebi uma proposta muito boa para voltar a trabalhar na Africa. Porém, na missão uma das coisas que fazíamos era ajudar pessoas com dependência alcoólica e que tiveram suas vidas destruídas por causa da bebida. Depois da missão decidi que nunca mais eu trabalharia direta ou indiretamente com publicidade para marcas de bebida alcoólica. Eu não bebo, nunca bebi e esse é um valor muito importante para mim. Agradeci a proposta, porém a recusei.

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Apesar de muitos entrevistados admirarem o trabalho voluntário que eu havia feito, era muito difícil para eles contratar alguém que estava há 2 anos fora do mercado. Recebi vários nãos, mas continuei minha busca por emprego até que surgiu uma vaga na agência F.biz. Essa era a mesma agência que meu irmão havia trabalhado durante alguns anos no passado e a vaga chegou ao meu conhecimento através de não 1, mas 4 amigos que estavam trabalhando lá. Fiz a entrevista e não foi fácil. Fui entrevistado pelo Head de Planejamento, o diretor de planejamento e até o gerente de planejamento da qual eu seria o assistente. Fiz o meu melhor para ir bem nas entrevistas, mas algo que fez toda a diferença foi a forma como os meus 4 amigos me venderam para aqueles líderes de planejamento da agência. Eles decidiram dar um voto de confiança e fui contratado. O que aconteceu depois foram quase 3 anos trabalhando e aprendendo muito com verdadeiros professores e mestres da publicidade. Aquela era a minha volta para o mercado, e eu não poderia ter voltado da melhor maneira.

O tempo na F.biz construiu toda a minha base de planejamento e de carreira profissional que levo para a minha vida até hoje. A equipe era incrível e também pude aplicar várias coisas que tinha aprendido na missão no meu trabalho como planejador. O fato de que eu passava horas e horas por dia conversando com pessoas na rua, entrando em casas e lidando com famílias de todas as classes sociais me fez um ‘antropólogo’ por experiência. Fizemos vários trabalhos incríveis onde fomos para a rua com uma câmera na mão e falamos com pessoas para colher percepções e insights sobre as marcas que atendíamos na época. A foto em que estou no skate acima foi de quando fomos para a Praça Roosevelt em São Paulo entrevistar skatistas para um planejamento da marca para Netshoes. Acabei andando de skate junto com eles e conseguindo muitas entrevistas.

Se você leu os posts anteriores deve estar se perguntando sobre o blog. Pois é, depois desses dois anos acabei entrando no esquecimento na blogosfera. Tentei retomar um blog pessoal que não deu muito certo, os meus amigos blogueiros já estavam em um outro nível em termos de popularidade e decidi abandonar o projeto blog naquele momento para focar no meu crescimento pessoal e profissional. Afinal, eu queria estudar e entrar na faculdade. E falando em faculdade...ahhh..fica para o próximo post.


Queria poder listar todos os aprendizados que tive nesse período da minha vida, mas quem sabe em uma próxima oportunidade. Enquanto isso, aqui vão alguns dos principais aprendizados e que podem se aplicar a sua vida também:

  • Faça serviço voluntário. É um trabalho que traz benefícios em todos os sentidos. Você tem a oportunidade de ajudar pessoas que mais precisam, você aprende com elas e a sua visão de mundo é ampliada. Você aprende a dar mais valor às coisas que tem e ao ser humano. O serviço voluntário em prol do próximo quebra milhares de preconceitos que você às vezes nem sabe que tem e desenvolve atributos como compaixão, empatia e amor ao próximo, independente de quem ele seja.

  • O poder do networking genuíno e forte. Sei que falar sobre networking é clichê. Todo mundo sabe da importância de fazer contatos e criar bons relacionamentos no âmbito profissional. Mas aprendi sobre o networking genuíno e forte. Não aquele que você troca cartões ou dá tapinha nas costas dos seus companheiros de trabalho. Para mim, você constrói um networking genuíno e forte quando você constrói um trabalho genuíno e forte. O seu trabalho, seus resultados e a forma como você se relaciona com seus colegas constróem a sua imagem. E uma imagem forte constrói melhores relacionamentos. Por isso, para mim a chave para um bom networking é fazer um bom trabalho, sempre ser gentil e colaborativo com as pessoas e crescer junto com elas. Muito mais do que happy hours, trocas de favores ou sorrisinhos falsos.

  • A bolinha do trabalho é de borracha. Quando largei tudo para trás me perguntei se algumas vez conseguiria um emprego bom novamente. Eu havia agarrado uma oportunidade única com meu blog, e não queria deixá-la escapar. Certa vez, ouvi uma palestra que citou uma analogia sobre as 5 bolinhas que fazemos malabarismos em nossa vida: a espiritual, familiar, da saúde, da educação e amigos. O detalhe é que todas são de vidro e podem quebrar, arranhar ou trincar, menos a bolinha do trabalho. Essa é de borracha e vai pular de volta mesmo se ela cair. Mesmo depois de 2 anos fora, a bolinha voltou pra mim e vai continuar voltando sempre, seja para mim ou para você.

Agradecimentos: Rogério Castro, Gelson e Miriam Pizzirani, todos os meus companheiros e amigos da missão, Rafael Camanho, Marcelle Santos, Mariane Rodriguez, Marcela Geoffroy, Fernando Diniz, Vinicius Piccolo.

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